Quarta-feira, 19 de Fevereiro de 2014
COM a face banhada de lágrimas de revolta pelo cumprimento de ordens cuja missão constituía segredo, Jaime Andissene, 51 anos de idade, natural de Guro, na província de Manica, antigo guerrilheiro da Renamo, com a patente de capitão, confessou que foi levado contra a sua vontade para Catine, antiga base do movimento armado, porque em algum momento quis ter informação exacta sobre as formas de ter acesso ao subsídio pago pelo Governo aos combatentes.
“Tenho minhas actividades, pequenos negócios que garantem a sobrevivência da minha família. Sou marido da senhora Fátima Simate, com quem tenho cinco filhos em Báruè. Fiz a minha inscrição junto dos chefes da Renamo para receber o subsídio como guerrilheiro. Quando procurei saber dos passos subsequentes para receber o dinheiro que julgo ter direito como acontece com outros fui levado ao mato sem explicação concreta da missão e objectivos”, explicou Jaime Andissene, sob lágrimas, manifestando arrependimento pelo facto de ter exigido o que considera seu direito.
Capturado pelos residentes de Chirutso, algures na localidade de Mavume, no distrito de Funhalouro, depois de uma denúncia feita pelo líder comunitário local, Zaquewane Mapanzene, o capitão Jaime Andissene, na companhia de um amigo que não revelou o nome, os dois com uma arma do tipo “AKM” e um carregador com apenas vinte balas, foram abandonados na floresta depois do ataque das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) no passado dia 14 Janeiro na casa de um ancião identificado por único nome de Madzungane, próximo da base de Mabhelacula, em Funhalouro.
Madzungane foi raptado na sua residência sob indicação de Bassopane, outro ancião igualmente raptado em Mabaiane, região limite entre os distritos de Homoíne, Morrumbene e Funhalouro. O contingente que raptou os dois homens de terceira idade era constituído por uma secção composta por 12 homens, todos armados, que tinha como missão atingir a sede da localidade de Mavume, onde viria a atacar por volta das três horas e dez minutos.
Jaime Andissene explicou que quando seus comparsas fugiram para parte incerta ficou perdido na floresta durante 10 dias sem se alimentar, muito menos ter água para matar a sede. Vivia apenas de frutos silvestres. “Sofri muito no mato”, contou chorando.
“Tentei muito convencer o meu colega para procurarmos os líderes comunitários para a rendição porque não havia outra alternativa para a nossa sobrevivência. Confesso que participei na guerra dos 16 anos liderando um forte grupo de homens. Sou capitão, mas aquilo que aqui vi, em Inhambane, em 19 dias, nunca havia visto. Por isso decidi entregar-me”, contou Jaime Andissene, chorando.
Entretanto, enquanto discutia com o seu companheiro, com quem dividia a utilização da única arma, porque, segundo explicou, era muito perigoso para a sua integridade física caso continuasse a procurar caminho para Gorongosa, de onde partiram, foram vistos pela população, que tratou de informar ao chefe da localidade de Mavume, Orlando Luís Mazive, um antigo sapador, ao mesmo tempo que o homem de reconhecimento do batalhão “Leões da Floresta” estacionado em Pagula, no distrito de Morrumbene, ordenou a captura imediata dos dois homens.
“Quando fui encontrado pela população expliquei tudo. Fui enganado e instrumentalizado. Eu estava em minha casa, foram-me buscar alegando que o despacho do meu subsídio já saiu e estava em Maputo, sendo que era necessário viajar até lá para assinar alguns documentos. Eu e outros fomos metidos num autocarro com destino à cidade de Maputo. Quando chegámos na Maxixe trocaram-nos de viatura e meteram-nos numa outra e tomámos outra direcção. Fomos recebidos por dois homens que falavam fluentemente a língua local e durante a caminhada, já numa rua de terra batida, percebi que já tinha sido sequestrado ou no mínimo enganado”, contou Jaime Andissene.
Em Catine, onde chegou no dia 17 de Dezembro do ano passado, Jaime Andissene disse que se opôs a combater porque já não queria fazer guerra. Aliás, segundo disse, mesmo na chamada guerra dos 16 anos em que participou desde 1983 desertou quatro anos depois e emigrou para o Malawi porque, segundo afirmou, já estava cansado de viver no mato sem futuro para si e para a sua família.
Contou também que as tentativas de pedir apoio à sua família para fugir da floresta onde se encontrava, na base de Catine, na planície de Tsiguive, na margem da lagoa de Nhavare, não foram possíveis porque não sabia como dar pistas à sua esposa ou filhos para qualquer assistência ou mesmo envio de dinheiro para passagem de regresso à casa.